Garantias em contrato de compra e venda de bens capital
É comum os contratos de compra e venda de bens de capital estarem garantidos pelo próprio bem vendido, mediante cláusula de reserva de domínio, prevista no Código Civil e no antigo Código de Processo Civil.
Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015 – NCPC), em 18/03/2016, há dúvidas sobre como executar a Reserva de Domínio e recuperar o bem vendido, porque o NCPC não trata especificamente sobre esse assunto, como fazia o Código revogado.
Assim, elaboramos este Informativo a respeito da cláusula de Reserva de Domínio após o NCPC, bem como sobre outras garantias que são mais usualmente negociadas na compra e venda de bens móveis, como a Alienação Fiduciária e a Fiança. Não pretendemos esgotar esses assuntos, mas apenas contribuir para a compreensão de como as empresas podem proceder nas negociações de garantias em seus contratos de compra e venda.
- Reserva de domínio
A garantia de Reserva de Domínio pode ser acordada nos contratos de compra e venda com pagamento a prazo. Com ela, o vendedor transfere a posse direta ao comprador, mas guarda para si a propriedade do bem, transferindo-a somente quando do pagamento integral do preço. Está disciplinada nos artigos 521 a 528 do Código Civil – CC.
No antigo Código de Processo Civil de 1973, artigos 1.070 e 1.071, havia um procedimento especial para cobrança em caso de não pagamento do preço dos contratos que possuíam cláusula de Reserva de Domínio, onde era facultado, ao vendedor, pedir judicialmente a apreensão do bem sem a necessidade de oitiva do comprador.
No NCPC não há mais dispositivo que regule especificamente esta situação, devendo ser aplicadas, então, as regras gerais de cobrança e execução de contratos, inclusive com a possibilidade de busca e apreensão do bem.
A contratação da Reserva de Domínio requer alguns cuidados na redação do contrato. É recomendável incluir a obrigação de o devedor manter o bem sob sua guarda, com uma cláusula de depósito, atentando-se para as disposições dos arts. 627 a 646 do CC.
Para sua validade contra terceiros, deve o contrato ser celebrado por escrito e registrado em cartório de títulos e documentos no domicílio do comprador (artigo 522 do CC).
É importante, também, que o contrato esteja assinado pelas partes, reconhecidas as firmas das assinaturas, e por duas testemunhas para que se constitua título executivo extrajudicial (art. 784, III, do NCPC).
Em caso de não pagamento do preço, continua sendo exigida, do vendedor, a constituição em mora do comprador, mediante protesto do título ou notificação judicial (art. 525 do CC). Se mesmo assim o comprador não pagar o débito, o vendedor pode ajuizar ação para cobrança das prestações vencidas e vincendas e o que mais lhe for devido, ou poderá ajuizar ação competente para recuperar a posse do bem vendido (art. 526 do CC).
Se o contrato estiver assinado pelas partes e por duas testemunhas, constitui-se título executivo extrajudicial e permite o ajuizamento, pelo vendedor, de ação de execução, que tem um rito mais célere, sendo um tipo de ação possível tanto para recuperar a posse do bem, como para cobrar o que for devido ao vendedor, inclusive com a possibilidade de apreensão e depósito do bem.
Caso o contrato não tenha sido assinado por duas testemunhas, pode o vendedor ajuizar ação com pedido de tutela de urgência para busca e apreensão (arts. 300 a 310 do NCPC) e/ou cobrança do valor devido, incluindo correção monetária, multa e juros previstos em contrato e despesas de cobrança. Havendo cláusula de depósito, o vendedor pode se valer do procedimento da tutela de evidência com pedido liminar (art. 311, III, e parágrafo único, do NCPC).
Se o vendedor optar por recuperar a posse do bem, poderá reter as prestações pagas pelo comprador até o valor necessário para cobrir a sua depreciação, as despesas e o que mais lhe for devido. O que sobrar será devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado (art. 527 do CC).
Importante observar que o NCPC trouxe a possibilidade de as partes alterarem, por contrato ou acordo, alguns procedimentos processuais a fim de adequá-los às situações concretas (art. 190 do NCPC). Assim, as partes podem, já na cláusula de Reserva de Domínio, estipular mudanças no procedimento de cobrança, de forma a minimizar eventuais dificuldades práticas que possam vir a ter, tais como: possibilidade ou não de o comprador requerer determinado prazo em juízo para quitar o débito se houver pago, por exemplo, mais de 50% do preço; forma de avaliação do bem considerando-se sua depreciação; a quem caberá o pagamento dos honorários periciais de vistoria e avaliação antes do início da perícia na execução; quais despesas serão cobradas do comprador inadimplente; entre outras possibilidades.
Dessa forma, as partes que tenham contrato vigente com cláusula de Reserva de Domínio podem adequá-lo em alguns aspectos e de acordo com suas necessidades, conforme orientação de seu advogado.
Salienta-se, ainda, que a dívida garantida por Reserva de Domínio poderá estar garantida, também, por fiança.
- Alienação Fiduciária
Um outro tipo de garantia que pode ser utilizada pelas partes em contrato de compra e venda de bens móveis é a Alienação Fiduciária, que consiste na transferência feita por um devedor ao credor de propriedade resolúvel e da posse indireta de um bem como garantia de seu débito, resolvendo-se a dívida com o pagamento do valor garantido. Está regulada pelos artigos 1.361 a 1.368-B do Código Civil – CC e, quando contratada com instituição financeira ou para garantia de créditos fiscais e previdenciários, pelo art. 66-B da Lei nº 4.718/1965 e Decreto-Lei nº 911/1969.
O devedor é depositário do bem, podendo usá-lo segundo sua destinação, empregando os cuidados necessários na sua manutenção.
Para constituição da propriedade fiduciária há necessidade de registro do contrato, público ou particular, no Cartório de Registro de Títulos e Documento do domicílio do devedor, ou, se for veículo, na repartição competente para o licenciamento.
O contrato deverá conter o valor total da dívida ou sua estimativa, o prazo para pagamento, a taxa de juros se houver e a descrição do bem, com os elementos indispensáveis à sua identificação (art. 1.362 do CC).
Caso o devedor não pague a dívida no vencimento, o credor deverá constituí-lo em mora por carta registrada com aviso de recebimento, devendo o devedor entregar o bem ao credor. Não há obrigatoriedade de a assinatura constante do aviso de recebimento ser a do próprio devedor; basta que a notificação seja entregue no seu endereço.
Não sendo entregue o bem pelo devedor, o credor poderá requerer busca e apreensão judicial, com pedido liminar.
Quando o credor estiver na posse do bem deverá vendê-lo a terceiro, judicial ou extrajudicialmente, utilizando o valor da venda para pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e entregar o saldo, se houver, ao devedor, com a devida prestação de contas. O credor não poderá ficar com o bem; deverá necessariamente vendê-lo a terceiro (art. 1.365 do CC).
Se o produto da venda não for suficiente para pagar a dívida e despesas de cobrança, o devedor continuará obrigado ao pagamento do restante (art. 1.366 do CC).
Caso o bem não for encontrado no processo de busca e apreensão ou não estiver na posse do devedor, o credor pode requerer o pagamento do valor integral do débito e encargos previstos no contrato.
Interessante salientar, por fim, que também a dívida garantida por Alienação Fiduciária poderá estar garantida, cumulativamente, por fiança ou aval.
- Fiança
Em contrato de compra e venda de bens móveis, podem as partes, ainda, estabelecer a garantia por fiança, que consiste na obrigação escrita assumida por terceira(s) pessoa(s) de garantir o cumprimento da obrigação pelo devedor, caso este não a cumpra. Está regulada principalmente pelos artigos 818 a 839 do Código Civil.
Como medida de segurança, para que a garantia seja eficaz, o vendedor precisa analisar se a pessoa que se oferece para ser fiadora é idônea e tem bens suficientes para satisfazer a obrigação no local do seu cumprimento, caso o comprador não pague o preço.
Na cláusula de fiança as partes podem convencionar, por exemplo, que o fiador responderá pela dívida principal, correção monetária, multa, juros e outros encargos; podem estipular se o fiador terá ou não o benefício de ordem, ou seja, se primeiro precisarão ser executados os bens do devedor e, não sendo localizados, depois os do fiador; se haverá ou não solidariedade com o devedor e demais fiadores, se o fiador poderá ou não se exonerar da fiança, dentre outras situações.
Importante observar que se o fiador for casado, deverá constar a expressa anuência do seu cônjuge no contrato (arts. 1.642, IV, e 1.647, III, do CC), salvo se casado no regime da separação de bens (art. 1.687 do CC). Em caso de renegociação ou acordo, também o fiador e seu cônjuge deverão concordar e assinar, senão estarão exonerados da fiança (art. 366 e 844, § 1º, do CC).
Essas são as principais características dessas modalidades de garantia, cabendo às empresas, mediante seus próprios critérios e de acordo com o seu modelo de negócio, analisar e escolher qual delas lhe traz mais segurança, lembrando sempre de adequar as suas minutas contratuais às disposições legais da garantia. É imprescindível que essa análise seja feita juntamente com a assessoria jurídica da empresa, especializada na elaboração de contratos comerciais.
Ficamos à disposição para quaisquer esclarecimentos.
Anne Joyce Angher – Advogada
Angare e Angher Advogados Associados