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19/04/2018

Aplicação da Concessão Comercial da Lei Ferrari na Venda de Máquinas e Equipamentos

A atividade de concessão comercial de bens em geral não é regulamentada por lei, existindo regulamentação apenas para a concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores de via terrestre, pela Lei nº 6.729/1979 (Lei Ferrari), segundo a qual o fabricante vende os veículos às concessionárias ou distribuidoras e estas os revendem aos consumidores.

Ocorre que referida lei indica como veículo automotor de vias terrestres algumas máquinas e equipamentos, gerando dúvidas às empresas fabricantes e, neste artigo, procuraremos compreender qual é a extensão de aplicação da Lei Ferrari.

Primeiramente, é importante considerar o entendimento de que, tendo em vista os princípios da livre iniciativa, livre concorrência e liberdade de contratar, a Lei nº 6.729/1979 deve ser aplicada restritivamente, sendo inadmissível interpretar que relações diversas devam ser subsumidas aos restritivos contratos de concessão entre produtores e distribuidores de veículos automotores de via terrestre (conforme lição do Prof. André Ramos Tavares, in “Entre a liberdade e o dirigismo contratual: o caso da Lei Ferrari, disponível em https://revistas.pucsp.br/index.php/red/issue/download/1594/3).

Esse é também o entendimento da Prof. Paula A. Forgioni, in “Contratos de Distribuição”, 3a ed., Editora Revista dos Tribunais, p. 65). Em capítulo dedicado ao tema da “necessária interpretação restritiva da Lei Ferrari”, a ilustre Professora ensina:

“Formou-se relativo consenso jurisprudencial de que essa lei requer interpretação restritiva, ou seja, a Lei Ferrari não deve regular os contratos de distribuição que não tratam das relações entre fabricantes e distribuidores de veículos automotores de via terrestre. A questão não poderia ter recebido tratamento mais adequado pela jurisprudência. Como já destacamos com o Prof. Eros Roberto Grau, a Lei Ferrari é uma lei específica que autoriza, inclusive, restrições à livre concorrência e à livre iniciativa, cuja possibilidade, limites e fundamentos estão especificamente delineados no texto normativo.

Em se tratando de um diploma específico, talhado para determinado setor da economia, a Lei 6.729, de 1979, não admite interpretação extensiva, sob pena de, artificialmente, causar marcadas distorções, fazendo incidir sobre mercados com peculiaridades, regras concebidas exclusivamente para a distribuição de veículos automotores.”

Assim, importante consignar que a Lei Ferrari não comporta interpretação extensiva para criar direitos e obrigações em relação a outros produtos que não estejam nela expressamente mencionados.

A Lei Ferrari prevê que deve ser objeto de contrato de concessão comercial:

I – a comercialização de veículos automotores de via terrestre, implementos e componentes fabricados ou fornecidos pelo produtor;

Il – a prestação de assistência técnica a esses produtos, inclusive quanto ao seu atendimento ou revisão;

III – o uso gratuito de marca do concedente, como identificação (arts. 3º e 5º, parágrafo 2º).

De acordo com o art. 2º do Código de Trânsito Brasileiro:

“Art. 2º São vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, que terão seu uso regulamentado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre elas, de acordo com as peculiaridades locais e as circunstâncias especiais.

Parágrafo único. Para os efeitos deste Código, são consideradas vias terrestres as praias abertas à circulação pública, as vias internas pertencentes aos condomínios constituídos por unidades autônomas e as vias e áreas de estacionamento de estabelecimentos privados de uso coletivo.”

Para a exata compreensão dos produtos que estão sujeitos à distribuição via concessionário, o art. 2º da Lei Ferrari traz as seguintes definições:

  • produtor: a empresa industrial que realiza a fabricação ou montagem de veículos automotores;
  • distribuidor: a empresa comercial pertencente à respectiva categoria econômica, que realiza a comercialização de veículos automotores, implementos e componentes novos, presta assistência técnica a esses produtos e exerce outras funções pertinentes à atividade;
  • veículo automotor, de via terrestre: o automóvel, caminhão, ônibus, trator, motocicleta e similares;
  • trator: aquele destinado a uso agrícola: capaz também de servir a outros fins, excluídos os tratores de esteira, as motoniveladoras e as máquinas rodoviárias para outras destinações;
  • implemento: a máquina ou petrecho que se acopla o veículo automotor, na interação de suas finalidades;
  • componente: a peça ou conjunto integrante do veículo automotor ou implemento de série
  • máquina agrícola: a colheitadeira, a debulhadora, a trilhadeira e demais aparelhos similares destinados à agricultura, automotrizes ou acionados por trator ou outra fonte externa (a lei será aplicável se esses produtos forem fabricados por produtor, ou seja, empresa industrial que realiza a fabricação ou montagem de veículos automotores);
  • implemento agrícola: o arado, a grade, a roçadeira e demais petrechos destinados à agricultura (a lei será aplicável se esses produtos forem fabricados por produtor, ou seja, empresa industrial que realiza a fabricação ou montagem de veículos automotores).

Temos, portanto, que deverá ser objeto de concessão comercial entre produtor e distribuidor, regida pela Lei Ferrari, a comercialização de:

  1. a) veículos automotores de via terrestre(automóvel, caminhão, ônibus, trator, motocicleta e similares), que transitem em ruas, avenidas, logradouros, caminhos, passagens, estradas e rodovias;
  1. b) implementos(máquina ou petrecho que se acopla o veículo automotor, na interação de suas finalidades);
  1. c) componentes(peça ou conjunto integrante do veículo automotor ou implemento de série);
  1. d) tratores(aqueles destinados a uso agrícola, capaz também de servir a outros fins, excluídos os tratores de esteira, as motoniveladoras e as máquinas rodoviárias para outras destinações);
  1. e) máquinas agrícolas(colheitadeira, debulhadora, trilhadeira e demais aparelhos similares destinados à agricultura, automotrizes ou acionados por trator ou outra fonte externa); neste caso a lei só será aplicável se esses produtos forem fabricados por empresa industrial que realiza a fabricação ou montagem de veículos automotores;
  1. f) implementos agrícolas(arado, grade, roçadeira e demais petrechos destinados à agricultura); neste caso a lei só será aplicável se esses produtos forem fabricados por produtor, ou seja, empresa industrial que realiza a fabricação ou montagem de veículos automotores); (arts. 2º, 3º e 5º, parágrafo 2º).

Será, também, objeto de concessão a prestação de assistência técnica a esses produtos, inclusive quanto ao seu atendimento ou revisão, e o uso gratuito de marca do concedente, como identificação.

De acordo com a PRIMEIRA CONVENÇÃO DA CATEGORIA ECONÔMICA DOS PRODUTORES E DA CATEGORIA ECONÔMICA DOS DISTRIBUIDORES DE VEÍCULOS AUTOMOTORES, de 16/12/1983:

“Art. 7º – Assistência técnica é o serviço de revisão, manutenção, reparação, recuperação, aplicação ou substituição de qualquer componente, conjunto ou produto destinado aos bens referidos na Lei, em seu art. 2º, prestado pelo distribuidor, consoante as normas e procedimentos técnicos estabelecidos pelo produtor.

  • 1º – Os serviços a que se refere o presente artigo compreendem a mão-de-obra e/ou mercadorias e materiais empregados pelo distribuidor.
  • 2º – Os serviços de revisão dos bens a que se refere a Lei, em seu art. 2º, inciso III, consistem na mão-de-obra de verificação do funcionamento desses bens, conforme estabelecido em convenção de marca.
  • 3º – Além do disposto no presente artigo, o distribuidor prestará ao consumidor orientação técnica que for necessária, quanto ao uso, funcionamento e manutenção do veículo automotor, conforme instruções expedidas pelo produtor.”

Assim, os produtos que se encaixem nas definições acima, bem como a assistência técnica e venda de componentes deles, deverão ser objeto do contrato de concessão regulamentado pela Lei Ferrari.

Outros produtos podem ser objeto de outros tipos de contratos de colaboração, tais como contrato de representação comercial (o representante recebe comissão pela intermediação e a compra e venda é realizada diretamente entre fornecedor e cliente) ou contrato de distribuição (o distribuidor compra para revender).

Ressalte-se, ainda, as disposições da PRIMEIRA CONVENÇÃO DA CATEGORIA ECONÔMICA que admite a contratação de empresa que tenha por objeto exclusivamente a prestação de assistência técnica ou comercialização de componentes:

“CAPÍTULO XX DAS CONTRATAÇÕES PARA ASSISTÊNCIA TÉCNICA OU COMERCIALIZAÇÃO DE COMPONENTES

Art. 1º – As contratações pelo produtor de empresas que tenham por objeto exclusivamente a prestação de assistência técnica ou comercialização de componentes terão seu regime e normas de operação estabelecidos em convenção da marca.

Parágrafo único – Entre seus dispositivos, a convenção da marca poderá incluir regras sobre área demarcada e distâncias mínimas; operações nos limites da respectiva área demarcada; prática de preço público; penalidades gradativas.

Art. 2º – Estas empresas não poderão exercer, nem ter atribuído qualquer direito pertinente a comercialização de veículos automotores.

Art. 3º – Qualquer das empresas referidas no art. 1º poderá transformar-se em distribuidor de veículo automotor, quando:

I – na área demarcada em que atua, configurar-se a situação de contratação de nova concessão e ocorrer que nessa área não haja distribuidor da marca ou, havendo, nenhum deles exerça seu direito de preferência;

II – atendido o disposto na alínea anterior, cumpra todas as condições prescritas para a nova contratação, em igualdade com terceiros interessados, nos termos da Lei e das convenções.”

Há que se verificar, ainda, para definição dos produtos incluídos na concessão comercial de determinado fabricante, se eventualmente existe Convenção da Marca tratando do tema.

Diante dessas normas, cabe às empresas fabricantes analisar o tipo contratual adequado para venda de seus produtos.

Estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos sobre o tema.

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Dr Anne

Dra. Anne Joyce Angher, OAB/SP n° 155.945, é Especialista em Direito Processual Civil, Especialista em Direito Tributário e Direito Processual Tributário, Pós-graduada em Contratos Internacionais e Compliance. Atua nas áreas de Direito Civil, Intelectual, Empresarial, Societário e Direito do Comércio Internacional.

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