Divulgação de conversas de WhatsApp: consequências pela LGPD, direitos da personalidade e sigilo telefônico
O WhatsApp é uma das plataformas de comunicação mais usadas no Brasil e no mundo e é nele que acontecem milhares de relacionamentos, transações comerciais e, infelizmente, até crimes.
A divulgação de conversas de WhatsApp pode constituir ferramenta útil dentro de alguns contextos legais — assim como, por outro lado, a divulgação fora dos parâmetros permitidos por lei também pode gerar consequências jurídicas. Afinal, na divulgação de uma conversa privada há uma série de direitos que podem estar em conflito: o direito à privacidade, à intimidade, o sigilo dos dados e da comunicação, mas também podem estar em jogo a liberdade de informação e o interesse público.
Conheça os principais aspectos jurídicos envolvidos na divulgação de conversas de WhatsApp.
Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) dispõe que a coleta, compartilhamento, recepção, utilização, acesso, transmissão, armazenamento, comunicação e outras formas de tratamento de dados pessoais, feitas por pessoa física para fins econômicos ou pessoa jurídica para quaisquer fins, só pode ser feita atendidos alguns requisitos, como, por exemplo:
- para o cumprimento de obrigação legal;
- em casos necessários para atender aos interesses legítimos do controlador de dados ou de terceiro, exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais;
- quando necessário para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte o titular e a seu pedido;
- para exercer regulamente um direito (por exemplo: direito de defesa) em um processo judicial, administrativo ou de arbitragem;
- para a realização de estudos por órgão de pesquisa;
- pela administração pública para a execução de políticas públicas;
- para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular dos dados ou de um terceiro, bem como, para proteção da saúde em caso de procedimentos realizados por profissionais/serviços de saúde ou autoridades sanitárias;
- para a proteção do crédito;
- nos demais casos, somente com o consentimento do titular dos dados.
No caso das empresas de comércio ou serviços que usam o WhatsApp para se comunicar com clientes e parceiros, podem fazê-lo com base no legítimo interesse ou com o consentimento do titular, observando sempre os princípios da LGPD (finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminação, responsabilização e prestação de contas).
Para que o consentimento seja válido, ao pedir o consentimento do titular dos dados pessoais a empresa e seus funcionários devem ter alguns cuidados:
- deve ser dado por escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação inequívoca de vontade do titular em consenti;
- especificar as finalidades do consentimento requerido, pois a LGPD considera nulas as autorizações genéricas para o tratamento de dados pessoais;
- especificar de que forma e por quanto tempo os dados serão tratados, bem como se há compartilhamento e para quais finalidades;
- disponibilizar informações sobre o controlador dos dados, inclusive seu contato;
- requerer novo consentimento específico no caso de compartilhamento dos dados com outros controladores de dados;
- atender a quaisquer pedidos de remoção, informação ou alteração dos dados;
- entre outros requisitos trazidos na LGPD.
Existem também os casos legais em que o compartilhamento de dados é expressamente proibido, como, por exemplo, o compartilhamento de dados pessoais sensíveis referentes à saúde do titular com objetivo de obter vantagem econômica (exceto nas hipóteses relativas à prestação de serviços de saúde, ou se se tratar de portabilidade de dados solicitada pelo próprio titular; ou em transações financeiras e administrativas resultantes do uso e da prestação dos serviços de saúde).
A divulgação ou compartilhamento com terceiros de qualquer comunicação de WhatsApp que contenha dados pessoais, se feita fora dos parâmetros e permissões da LGPD, sujeita a pessoa física ou jurídica a consequências como:
- a advertência pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados;
- multa simples de até 2% do faturamento;
- multa diária;
- bloqueio ou eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua regularização;
- suspensão ou proibição do exercício de atividades relacionadas a tratamento de dados;
- indenizações por danos morais ou materiais, se houverem.
Lembrando que se o teor da comunicação realizada no WhatsApp não contiver dados pessoais (por exemplo: nome, CPF, RG, endereço, e-mail), a divulgação ilícita não necessariamente se enquadra na proteção da LGPD, mas pode sujeitar o divulgador a outras consequências civis e criminais, conforme veremos adiante.
Direitos da personalidade
Além do desrespeito a normas da Constituição, LGPD e outras leis, a divulgação não consentida de conversas do WhatsApp também pode caracterizar-se como violação de direitos da personalidade, como o direito à intimidade e à honra. Como consequência, essas condutas podem causar danos morais e gerar dever de indenizar.
Destacamos uma recentíssima decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na qual a divulgação indevida das mensagens trocadas no grupo de WhatsApp foi considerada quebra da legítima expectativa, violação à privacidade e à intimidade (REsp 1.903.273, julgamento em 24.08.2021, Relatora: Min. Nancy Andrighi).
A interessante decisão relacionou direitos como a privacidade, intimidade e liberdade de expressão a uma expectativa de não publicização de mensagens. Confira:
“Nas hipóteses que em que o conteúdo das conversas enviadas via WhatsApp possa, em tese, interessar a terceiros, haverá um conflito entre a privacidade e a liberdade de informação, revelando-se necessária a realização de um juízo de ponderação. Nesse aspecto, há que se considerar que as mensagens eletrônicas estão protegidas pelo sigilo em razão de o seu conteúdo ser privado; isto é, restrito aos interlocutores. Ademais, é certo que ao enviar mensagem a determinado ou a determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia. Assim, ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano. A ilicitude da exposição pública de mensagens privadas poderá ser descaracterizada, todavia, quando a exposição das mensagens tiver o propósito de resguardar um direito próprio do receptor.”
No caso acima, o STJ entendeu que a divulgação foi ilícita, gerando o dever de reparação de danos morais.
Direito à inviolabilidade das comunicações telefônicas e dos dados
A Constituição Federal estabelece que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5, XII).
Esta inviolabilidade pode ter como exceção as investigações e os processos criminais, mas, nesses casos, a violação das comunicações e dos dados depende de ordem judicial.
Assim, a violação de dados e comunicações trocadas pelo WhatsApp sem consentimento dos titulares só é lícita se houver autorização judicial para tal.
Fora desses termos, a divulgação de conversas obtidas mediante violação das comunicações caracteriza-se como ato ilícito, sujeito ao dever de indenizar, além de consequências de natureza criminal.
Conclusão
Havendo dúvidas sobre a possibilidade de divulgar ou compartilhar comunicações ou dados pessoais pelo Whatsapp, para qualquer fim, busque assessoria jurídica especializada.
Este é um artigo meramente informativo e não equivale a uma consulta jurídica.