Vacinação compulsória do COVID-19: fundamento legal e despedida do funcionário
Muito se tem questionado nos últimos dias sobre a possibilidade de despedida do funcionário que se recusar a tomar a vacina do Covid-19.
Este artigo tem como finalidade esclarecer a base jurídica da compulsoriedade da vacinação e orientar as empresas sobre as consequências ao funcionário que recusar se imunizar.
Fundamento Legal da Compulsoriedade:
A Lei nº 6.259, de 30/10/1975, disciplina sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica e o Programa Nacional de Imunizações e dispõe em seu artigo 3º que incumbe ao Ministério da Saúde a possibilidade de instituição obrigatória da vacinação à população, conforme segue:
Lei nº 6.259, de 30/10/1975:
(…)
Título II – Do Programa Nacional de Imunizações
Art. 3º Cabe ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório.
No mesmo sentido, a Lei nº 13.979/20, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, prevê em seu artigo 3º, III, “d”, a compulsoriedade de algumas medidas para enfrentamento da pandemia e, dentre elas, está a vacinação:
Art. 3º. Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)
(…)
III – determinação de realização compulsória de:
a) exames médicos;
b) testes laboratoriais;
c) coleta de amostras clínicas;
d) vacinação e outras medidas profiláticas;
Com relação à possibilidade de vacinação compulsória discutiu e o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas, foi objeto de questionamentos judiciais nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 6586 e 6587 e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879.
Com relação às ADI’s, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do dispositivo legal que possibilita a vacinação compulsória.
No entanto, firmou a convicção de que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, podendo ser implementada por meio da fixação de medidas indiretas, como a restrição ao exercício de atividades ou à frequência de determinados lugares, o que pode ser adotado tanto pela União, como pelos Estados, Municípios e Distrito Federal, nos limites de sua competência, senão vejamos:
O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação direta, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei nº 13.979/2020, nos termos do voto do Relator e da seguinte tese de julgamento: “(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”. Vencido, em parte, o Ministro Nunes Marques. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 17.12.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência – Resolução 672/2020/STF).
Quanto ao julgamento do ARE 1267879, O Supremo Tribunal Federal considerou que a vacinação compulsória não viola a liberdade de consciência e de convicção filosófica, tendo fixado a tese de repercussão geral, tema 1.103:
“É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”.
Com isso e, amparado pela lei e jurisprudência, é possível concluir que a vacinação, em que pese seja um direito subjetivo dos cidadãos é também um dever nas hipóteses em que envolve questões de saúde pública como nos casos de epidemias e pandemias.
Da recusa dos funcionários na vacinação:
Como visto acima, o direito-dever à vacinação obriga tanto o Poder Público a realizar as ações para efetivá-la, quanto os particulares a realizarem medidas para a sua concretização que se dá com a vacinação.
E esse viés faz com que as empresas sejam as responsáveis por inserirem a vacinação no programa de controle médico de saúde ocupacional (PCMSO).
Como as empresas utilizam do labor de trabalhadores nos seus processos produtivos e exercem sobre eles o poder diretivo, são também responsáveis pela saúde ocupacional de seus funcionários e aspectos pertinentes ao meio ambiente do trabalho, em relação à saúde e à segurança dos trabalhadores, tanto na esfera individual quanto na coletiva.
Tanto é assim que o artigo 157 da CLT determina que as empresas devem:
I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;
IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.
No mesmo sentido, o artigo 158 da CLT estabelece que os empregados têm o dever de:
“I – observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior”
II – colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo.”
O parágrafo único do mesmo dispositivo classifica a recusa injustificada ao cumprimento das instruções do empregador como ato faltoso.
No mesmo sentido, a Norma Regulamentadora nº 01, em seu item 1.4.2, determina ao trabalhador:
a) cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho, inclusive as ordens de serviço expedidas pelo empregador;
b) submeter-se aos exames médicos previstos nas NR;
c) colaborar com a organização na aplicação das NR;
d) usar o equipamento de proteção individual fornecido pelo empregador.
1.4.2.1 Constitui ato faltoso a recusa injustificada do empregado ao cumprimento do disposto nas alíneas do subitem anterior.
Já a Lei nº 8.213/91, estabelece a responsabilidade empresarial pela adoção de medidas de proteção individuais e coletivas, no seu art. 19 e parágrafos:
§ 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.
§ 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.
§ 3º É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.
§ 4º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.
E não fica por aí, diversas outras Normas Regulamentadoras e Leis dispõem no mesmo sentido.
Como não é o escopo do presente artigo esgotar o assunto, mas apenas orientar os leitores sobre os principais fundamentos do ponto de vista jurídico que encampam a tese de vacinação compulsória e despedida em caso de recusa de imunização, podemos concluir que: (i) as empresas são obrigadas a colaborar com o plano nacional de vacinação, e (ii) os funcionários também são obrigados a colaborar com as medidas de saúde e segurança do trabalho preconizadas pelas empresas, que devem incluir a vacinação como estratégia do enfrentamento da COVID – 19 no ambiente de trabalho.
O Ministério Público do Trabalho elaborou um Guia Técnico sobre vacinação do Covid-19 para demonstrar que o objetivo da vacinação é concretizar o direito fundamental à vida e à saúde do trabalhador, inclusive no seu aspecto coletivo e social, além de propiciar aos empregados o direito à informação sobre todo o processo de vacinação e conscientização sobre a importância da vacinação para a proteção dele próprio e de seus colegas de trabalho e também as consequências jurídicas de uma recusa “injustificada” em se vacinar.
Diante da recusa do empregado na imunização contra o Covid-19, o Guia Técnico sugere que o empregador direcione o funcionário para o serviço médico para avaliação de seu estado de saúde e verificar se há alguma incompatibilidade com as vacinas, não devendo o empregador adotar, como primeira medida, a despedida por justa causa:
“(…) é necessário que a empresa não utilize, como primeira medida para obter a anuência com a vacinação, a possibilidade de despedida por justa causa, pois existe um dever do empregador de ministrar aos empregados informações sobre saúde e segurança do trabalho e sobre a aprovação da vacina pela Anvisa.
Ademais, há um dever de proporcionalidade na aplicação de penalidades, dentro do poder disciplinar do empregador, e de compreensão do contexto intelectual e psicológico do trabalhador em face das informações falsas (fake news) que têm circulado na sociedade.
Desse modo, se houver recusa do empregado à vacinação, a empresa não deve utilizar, de imediato a pena máxima ou qualquer outra penalidade, sem antes informar ao trabalhador a importância do ato de vacinação e as consequências da sua recusa, propiciando-lhe atendimento médico ou psicológico, com esclarecimentos sobre a vacina.”
Com isso, exige-se cautela nas despedidas por justa causa quando o motivo for a recusa do empregado em se imunizar.
O escritório Angare & Angher conta com equipe especializada para tirar suas dúvidas.