Código de Defesa do Consumidor não se aplica à compra de ações
Questões oriundas da relação entre investidores e empresas com ações no mercado de valores mobiliários não podem ser resolvidas com normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Esse era um assunto já debatido há algum tempo, com destaque para a I Jornada de Direito Comercial, que ocorreu em 2012, na qual foi aprovado o Enunciado n.º 19: “Não se aplica o CDC às relações entre sócios e acionistas ou entre eles e a sociedade.”
Porém, recentemente, a tese teve sua força novamente reiterada ao constar no Informativo 671 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 10 de junho de 2020.
Conforme o trecho do julgado destacado no Informativo: “Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre acionistas investidores e a sociedade anônima de capital aberto com ações negociadas no mercado de valores mobiliários” (Recurso Especial n.º 1.685.098-SP).
O consumidor, para os fins da Lei nº 8.078/90, é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (artigo 2º) – é o que se chama de teoria finalista.
De acordo com o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o investidor que compra ações não é destinatário final da mercadoria ou serviço, e por isso, não deve incidir a legislação de proteção ao consumidor.
Em regra, a compra de ações é feita na condição de investimento, ou seja: o comprador geralmente revende as ações, com o intuito de obter lucro.
Desta forma, a compra e venda que se opera entre a empresa de capital aberto (vendedora das ações) e o investidor (comprador) se enquadra como negócio jurídico nos termos do Código Civil, ou relação de natureza societária, se o comprador das ações é acionista da empresa.
Na prática, a aplicabilidade do CDC faz diferença, sobretudo no que diz respeito ao direito de arrependimento, a inversão do ônus da prova, entre outros institutos que não encontram correspondente na lei civil geral.
Por exemplo, na ação que chegou ao STJ, os acionistas pleiteavam o pagamento do valor correspondente a 79.920 ações preferenciais escriturais atualizadas que não foram pagas, além de indenização por danos morais.
Aplicado o CDC, incidiu o instituto do inversão do ônus da prova, sendo os acionistas reconhecidos como hipossuficientes e, assim, coube à empresa o ônus de provar que as ações foram pagas. Caso a empresa não cumprisse com o ônus, as alegações dos acionistas teriam prevalecido.
Para isto, os acionistas se firmaram em uma corrente de entendimento segundo a qual o CDC pode se aplicar aos acionistas minoritários. Ainda de acordo com esse entendimento, “não basta que o consumidor esteja rotulado de sócio e formalmente anexado a uma Sociedade Anônima para que seja afastado o vínculo de consumo.”
No entanto, ao chegar ao STJ, a tese da aplicabilidade do CDC não prevaleceu.
Desta forma, o que se pode concluir é que os acionistas e investidores que tenham demandas em face das empresas de capital aberto da qual compram ações devem ter acompanhamento de assessoria jurídica especializada para a resolução do problema por via extrajudicial, ou ainda, para a propositura da ação apropriada.
Decidindo-se pela via judicial, a ação irá requerer fundamentação e provas robustas, uma vez que não poderão ser invocados os institutos processuais que o CDC destina para a proteção do consumidor.
Estamos à disposição para maiores esclarecimentos sobre o tema abordado nesse artigo.