Prazo de garantia e prazo para reposição de peças
Publicado em 28/05/2016 e atualizado em 16/08/2017.
Com certa constância, as empresas apresentam dúvidas relacionadas à responsabilidade quanto à garantia dos equipamentos fornecidos, bem como quanto ao prazo de reposição de peças dos mesmos equipamentos.
Objetivando bem orientar nossos clientes, preparamos este Informativo, ressalvando que não temos a pretensão de esgotar o assunto e tampouco aprofundar-nos sobre as divergências teóricas existentes; o objetivo é levar ao conhecimento das empresas as disposições legais a respeito do tema, bem como ressaltar os pontos de interesse das empresas.
- DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade pela garantia dos produtos produzidos pelas indústrias está inserida no tema “Responsabilidade Civil”, que é tratado no Código de Defesa do Consumidor (aplicável às relações de consumo), e no Código Civil (aplicável às relações jurídicas de forma geral).
Alguns doutrinadores entendem que a pessoa (física ou jurídica) que adquire ou utiliza produto ou serviço com finalidade de lucro, empregando-o em suas atividades profissionais ou empresariais, não pode ser considerada consumidora, e, portanto, a ela não se aplicando as normas do Código de Defesa do Consumidor, e sim a regulamentação prevista no Código Civil; outros doutrinadores entendem que o Código de Defesa do Consumidor não se limita a proteger o consumidor não-profissional, e a definição de consumidor deve ser interpretada de forma mais extensa possível, não importando se a pessoa tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço, sendo que, nesse caso, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor.
Considerando-se a divergência de posicionamento a respeito do enquadramento da relação jurídica mantida entre uma empresa e seus clientes na definição de relação de consumo, e consequente alcance ou não do Código de Defesa do Consumidor, teceremos a seguir as considerações a respeito do tema, dentro da área de abrangência do Código de Defesa do Consumidor e, também, do Código Civil. Ressalvamos que, no caso concreto, a definição quanto aplicabilidade de um ou outro diploma legal caberá ao Poder Judiciário.
Inicialmente, salientamos que o Código de Defesa do Consumidor disciplinou a matéria (responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado) com maior amplitude do que o Código Civil.
- NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Nos termos do que dispõe o Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor de produto e serviço responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores:
- por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos;
- por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequada sobre sua fruição e riscos.
A responsabilidade objetiva ou sem culpa, segundo a qual a intenção do agente é irrelevante, está consagrada nos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor[1].
São indenizáveis os danos causados aos consumidores por defeitos dos produtos ou serviços prestados pelos fornecedores, desde que tal defeito guarde relação com o dano sofrido pelo consumidor.
Para efeitos de reparação de danos, todas as vítimas do evento são equiparadas aos consumidores, conforme art. 17 do CDC:
“Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.
Ressalte-se que uma empresa, enquanto fornecedora de produto/serviço, não será responsabilizada somente se comprovar a inexistência de defeito no produto ou serviço prestado, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, ou que não colocou o produto no mercado; hipóteses mencionadas no §3º dos arts. 12 e 14, do CDC, que tratam das causas de exclusão da responsabilidade.
Entretanto, convém salientar que as causas de exclusão de responsabilidade deverão ser provadas pelo fornecedor.
Ao contrário do defeito, o vício é uma característica inerente, intrínseca do produto ou serviço em si que gera o não ou mau funcionamento, quantidade errada ou perda do valor pago. Por sua vez, o defeito é mais que uma deficiência do produto ou serviço, colocando em risco a saúde ou segurança do consumidor. Por tal motivo é que o Código de Defesa do Consumidor trata de cada um em dispositivos diferentes.
O Código de Defesa do Consumidor estabelece, também, a responsabilidade objetiva do fornecedor por vício na qualidade ou quantidade do produto e do serviço, que os tornem inadequados ou impróprios para o consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, em seus arts. 18, 19 e 20[2].
Tais artigos fixam um prazo máximo para conserto do vício (30 dias), a possibilidade de extensão de referido prazo e as opções, de escolha do consumidor, na hipótese de não cumprimento do prazo (substituição do produto, reexecução dos serviços, restituição da quantia paga ou abatimento proporcional do preço, sem prejuízo de eventuais perdas e danos).
O prazo de 30 dias pode ser reduzido ou ampliado por convenção entre as partes, não podendo ser inferior a 7 nem superior a 180 dias (art. 18, § 2º, do CDC).
Do prazo de garantia e despesas incorridas no reparo de equipamentos
Ainda de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990):
“Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I – trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II – noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
- 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
- 2° Obstam a decadência:
I – a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II – Vetado;
III – a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
- 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.”
Assim, temos que a garantia legal para produtos duráveis, como máquinas e equipamentos, é de 90 dias.
Importante mencionar, ainda, que a garantia contratual, que é aquela concedida pela empresa, é complementar à legal.
Assim, caso a empresa dê garantia de seus produtos por termo escrito, deverá atentar para o disposto no art. 50 do Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 50. A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito.
Parágrafo único. O termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado e esclarecer, de maneira adequada em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, devidamente preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instrução, de instalação e uso do produto em linguagem didática, com ilustrações.“
Tendo em vista o disposto no parágrafo único do art. 50 do Código de Defesa do Consumidor, é possível concluir que a inclusão ou não dos custos de viagem e transporte na garantia, o lugar em que ela pode ser exercitada e os ônus a cargo do cliente, depende do que foi ajustado previamente entre as partes e do que constar no termo de garantia ou da praxe do negócio.
- NO CÓDIGO CIVIL
No Código Civil, a regra geral é da responsabilidade subjetiva (com culpa), conforme art. 186 e caput do art. 927[3], de forma que, para que haja o dever de indenizar, é necessária a existência do dano, da conduta, do nexo de causalidade entre a conduta e o dano, e a culpa do agente.
Entretanto, a atividade de risco e a responsabilidade dos empresários e das empresas pelos danos causados pelos produtos postos em circulação, é fonte de responsabilidade objetiva (independentemente de culpa), conforme parágrafo único do art. 927 e art. 931[4], ambos do Código Civil.
Observe-se que o art. 931 não inclui a prestação de serviços como atividade que implica na responsabilidade objetiva, mas somente os produtos postos em circulação, de forma que, em relação aos danos causados em decorrência da prestação de serviços, segue-se a regra geral do Código Civil, que requer a existência de culpa.
Acrescente-se que as pessoas jurídicas de direito privado respondem pelos atos de seus dirigentes ou administradores, bem como de seus empregados ou prepostos, que, nessa qualidade, causem dano a outrem (art. 932, III, CC).
Na sistemática do Código Civil não há responsabilidade por prejuízos decorrentes de caso fortuito e força maior, bem como nas hipóteses de culpa exclusiva da vítima.
Relativamente aos vícios, o Código Civil regula apenas os vícios ou defeitos ocultos, e somente sobre produtos (art. 441[5]), viabilizando ao adquirente a rescisão do contrato ou o abatimento do preço (art. 442[6]).
As regras do Código Civil têm aplicação nas relações de consumo somente de forma subsidiária, no que couber e não contrariar o Código de Defesa do Consumidor.
Pois bem, nos termos do que dispõe o art. 441 do Código Civil, um produto pode ser devolvido somente na hipótese de “… vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor”.
De qualquer forma, a possibilidade de devolução de um produto e eventual dever de indenização por perdas e danos está adstrita à existência de vício ou defeito no produto.
Do prazo de garantia
O prazo decadencial para reclamar vício redibitório, previsto no Código Civil, é de 30 dias para a coisa móvel e de 1 ano se a coisa for imóvel, contado da entrega efetiva; se o adquirente já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade (art. 445[7] do CC).
Ainda, estabelece o §1º do art. 445 do Código Civil que:
“§ 1o Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, em se tratando de bens móveis; e de 1 (um) ano, para os imóveis”.
Tal dispositivo possibilita a extensão da garantia legal. Isso porque não há, de propósito, disposição indicando o prazo máximo para aparecimento do vício oculto, uma vez que pela sua natureza, só pode ser conhecido mais tarde.
- PRAZO PARA FORNECIMENTO DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO
De acordo com o disposto no art. 32, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, “os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto (…) cessadas a produção ou a importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei.”
Conforme se infere do dispositivo transcrito, o fabricante ou importador deve oferecer peças de reposição por período razoável de tempo, na forma da lei, restando dúvida, portanto, de qual seria esse “período razoável de tempo”.
Não foi localizada, na legislação consumerista, lei que defina, expressamente, qual seria o prazo razoável que está sendo tratado. Isso não obstante, a resposta à dúvida colocada pode ser construída a partir da norma prevista no Decreto nº 2.181/1997, art. 13, inc. XXI, verbis:
“Art. 13. Serão consideradas, ainda, práticas infrativas, na forma dos dispositivos da Lei nº 8.078, de 1990:
(…)
XXI – deixar de assegurar a oferta de componentes e peças de reposição, enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto, e, caso cessadas, de manter a oferta de componentes e peças de reposição por período razoável de tempo, nunca inferior à vida útil do produto ou serviço;”
Embora a norma transcrita também não defina, expressamente, qual é o prazo razoável de tempo que o importador ou fabricante deva manter oferta de peças de reposição, vê-se, contudo, que há, ao menos, um limite mínimo desse tempo, qual seja, não menos que o tempo de vida útil do produto.
Não se pode negar, que, dada a vaguidade da expressão “tempo de vida útil”, aquela primeira dúvida ainda pode persistir, sob a forma de uma outra indagação: qual é o tempo de vida útil deste ou daquele produto? A legislação consumerista, segundo análise que efetuamos, nada dispõe a respeito.
Assim, a resposta a essa segunda questão colocada pode, salvo melhor entendimento, ser encontrada na legislação do imposto de renda.
Sabe-se que a legislação do imposto de renda define – para efeitos fiscais é verdade – o tempo de vida útil de todos os produtos classificados na NCM, e isso está previsto no Anexo III da Instrução Normativa SRF nº 1700/2017.
O prazo de vida útil fixado, pela referida Instrução Normativa, varia de acordo com a classificação dos produtos na NCM.
Pode-se concluir, então, o seguinte: dada a inexistência de norma consumerista que fixe, expressamente, o prazo de vida útil do produto, prazo esse que é o mínimo que o fabricante ou importador deve observar para fins de manutenção da oferta do produto, há possibilidade de socorrer-se a outras normativas vigentes.
No caso em questão, a única normativa que prevê prazo certo de vida útil de produtos é a Instrução Normativa SRF nº 1700/2017.
Assim, o fabricante ou importador deverá manter oferta das peças de reposição dos equipamentos e produtos pelo prazo correspondente à vida útil constante em referida Instrução Normativa, de acordo com a classificação dos produtos na NCM.
Angare e Angher advogados associados